Lord Jim - Cap. 24: Capítulo XXIII Pág. 249 / 434

Passou parte de um dia e uma noite nesta situação incómoda, mas há todas as razões para crer que foi uma partida que lhe quiseram pregar. Ficou um instante meditabundo, creio que a reflectir sobre essa terrível recordação, e em seguida dirigiu-se, num tom irascível, a um homem que vinha tomar conta do leme. Quando se voltou para mim fê-lo sem violência. Ia conduzir aquele cavalheiro à entrada do rio, a Batu Kring (Patusan ficava situada 'internamente' a trinta milhas, explicou). Mas para ele, continuou num tom cansado de convicção substituiu a verbosidade que até ali mostrara, o cavalheiro era já 'a similitude de um cadáver'. 'Quê? Que diz?', perguntei eu. Tomou uma expressão de ferocidade temível e imitou com toda a perfeição o gesto de dar uma facada pelas costas. 'Um homem perdido', explicou ainda, tomando o ar de vaidade insuportável que tomam os homens da sua raça depois de terem dito qualquer coisa que supõem um rasgo de génio. Jim, por detrás dele, sorria e levantou a mão para me impedir a exclamação que já me vinha aos lábios.

«Depois, enquanto o mestiço, a rebentar de importância, berrava ordens enquanto as vergas estalavam e a pesada corrente saía da água, Jim e eu, sós, por assim dizer, ao lado da vela grande, apertámo-nos a mão e trocámos as últimas palavras apressadas. O meu coração libertara-se daquele ressentimento melancólico que existira nele lado a lado com o interesse que aquele jovem me despertava. A tagarelice absurda do mestiço dera maior realidade aos tremendos perigos que Jim ia encontrar no caminho do que as cuidadosas advertências de Stein, Nessa ocasião, aquela espécie de formalismo que sempre existira nas nossas relações desapareceu; creio que lhe chamei 'meu querido amigo' e ouvi-o dizer 'meu velho' no meio dos balbucios de uma expressão de gratidão, como se os riscos que ia correr equilibrassem os anos e a experiência que eu tinha a mais e nos aproximassem.





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