Lord Jim - Cap. 34: Capítulo XXXIII Pág. 326 / 434

Apenas parava de bater, de vez em quando, para gritar com uma voz rouca: 'Deixa-me entrar! Deixa-me entrar! Deixa-me entrar!' Num canto afastado, deitada sobre esteiras, a moribunda, já sem fala e incapaz de erguer o braço, voltava a cabeça e, com um débil movimento da mão, ordenava: 'Não! Não!' e a filha, obediente, encostava-se à porta com toda a força sem deixar de fitar a mãe. 'As lágrimas caíam-lhe dos olhos... e depois morreu', concluiu a jovem num tom imperturbável e monótono que, mais do que qualquer outra coisa, mais do que a imobilidade petrificada da sua forma branca, mais do que as simples palavras podem exprimir, perturbou o meu espírito profundamente com o horror passivo e irremediável dessa cena. Ela teve a força de me arrancar à minha concepção da vida, de me arrancar para fora do abrigo que cada um de nós constrói, a fim de para lá se arrastar nos momentos de perigo, como uma tartaruga para dentro da carapaça. Por instantes tive a visão de um mundo que tomava um aspecto vasto e lúgubre de desordem, quando, na verdade, graças aos nossos incansáveis esforços, é um arranjo agradável de pequenas comodidades, tão risonho quanto o espírito humano o pode conceber. Foi só um instante; voltei imediatamente para a minha carapaça (é preciso voltar depressa, não é verdade?), embora eu parecesse ter perdido o uso da fala no meio do caos de pensamentos sombrios que contemplara, em dois segundos, para além dos limites. Mas recuperei-a rapidamente, pois as palavras também pertencem à concepção de luz e de ordem que é o nosso refúgio, e estavam ali à minha disposição, antes de ela murmurar docemente: 'Jurou que nunca me abandonaria, naquele momento em que estávamos os dois sozinhos! Jurou-me!...' 'E será possível que você.




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