É a única maneira que tenho de descrever o que se passou. Num momento vi-o com as costas apoiadas à balaustrada. Ali ficou de pé algum tempo, como que a admirar a pureza e a paz da noite. Um arbusto em flor espalhava um perfume muito activo no ar húmido. Voltou para junto de mim com passo apressado.
«'E isso também não tinha importância', disse ele com o ar mais obstinado que possam imaginar.
«'Talvez não', admiti. Eu começava a achar que era de mais para mim. No fim de contas, que sabia eu?
«'Houvesse ou não monos, eu não podia fugir - tinha de viver, não tinha?'
«Bem - ter tinha, se toma as coisas por esse lado, resmunguei. «'Piquei satisfeito, está claro', atirou ele descuidadamente a pensar noutra coisa; 'A revelação', pronunciou devagar, levantando a cabeça. 'Quer saber qual foi o meu primeiro pensamento quando soube? Fiquei aliviado. Fiquei aliviado ao saber que aqueles gritos - cheguei a dizer-lhe que ouvi gritos? Não? Pois bem, ouvi-os. Gritos de socorro... trazidos pelo vento com o chuvisco. Foi imaginação, creio. E contudo quase não posso... Que estupidez... Os outros não os ouviram. Perguntei-lhes mais tarde. Todos disseram que não. Não? E eu ainda os estava a ouvir! Eu devia ter compreendido - mas não reflecti, só me pus a ouvir. Gritos muito abafados. Dia após dia. Depois o mestiço baixinho veio ter connosco e falou-me: «O Patna… uma canhoneira da marinha de guerra francesa... rebocou-o até Adém… Investigação... Ministério da Marinha... A Casa do Marinheiro... tudo arranjado para a sua instalação!» Fui com ele e apreciei o silêncio. Não tinha então havido gritos. Foi imaginação. Tive de o acreditar. Deixei de os ouvir. Pergunto a mim mesmo quanto tempo os teria podido suportar. A coisa estava a piorar.