Lord Jim - Cap. 4: Capítulo III Pág. 21 / 434

A barquilha fixada no balaústre da popa repicava periodicamente uma badalada por cada milha que o barco tragava naquela missão de fé. Por cima da massa dos homens adormecidos pairava por vezes um débil suspiro resignado, emanação de um sonho perturbado r; e um breve tinir de metais rompendo das profundezas do navio, o arranhar áspero de uma pá, o bater violento da porta de uma fornalha, estoiravam com um som brutal, como se os homens que manejavam lá em baixo aquelas coisas misteriosas tivessem o coração cheio de uma cólera feroz, enquanto o barco estreito e alto avançava tranquilo, sem uma oscilação dos mastros nus, abrindo o seu caminho, imperturbável, na grande calma das águas sob a inacessível serenidade do céu.

Jim passeava de um bordo ao outro, e o ruído dos seus passos soava sonoro aos seus próprios ouvidos como um eco das estrelas vigilantes: os seus olhos, vagueando pela linha do horizonte, pareciam fitar com sofreguidão o inacessível e não viam os presságios do que estava para acontecer. A única sombra sobre o mar era a do fumo negro, expelido pela chaminé como uma enorme serpentina cuja extremidade se dissolvia invariavelmente no ar. Dois malaios, silenciosos e quase imóveis, estavam ao leme, um de cada lado da grande roda, cujo aro de cobre brilhava em certos pontos no oval da luz da caixa da bússola. Uma mão de dedos negros aparecia de vez em quando na parte iluminada, ora agarrando, ora largando os raios giratórios da roda; os elos das cadeias do leme rangiam pesadamente nas chanfraduras do tambor do cilindro. Jim deitava um olhar rápido à bússola, olhava depois o horizonte impossível de alcançar, espreguiçava-se até ouvir as articulações estalar e torcia vagarosamente o corpo, numa plenitude de bem-estar; e, como se aquela irresistível aparência de paz o tornasse audacioso, sentiu que nada do que lhe pudesse acontecer até ao fim dos seus dias lhe metia medo.





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