Lord Jim - Cap. 6: Capítulo V Pág. 41 / 434

Recordo-me de que uma vez, ao chegar de uma viagem, lhe dei como gratificação um carneiro vivo que sobrara das provisões embarcadas: não porque precisasse que ele me fizesse alguma coisa - não poderia -, mas porque a sua fé infantil no direito sagrado da gorjeta me tocava o coração. Essa fé era tão forte que chegava quase a ser bela. A raça - ou, melhor, as duas raças juntas - e o clima... De qualquer modo, não tem importância. Sei onde tenho um amigo para a vida.

«Bom, Ruthvel conta que lhe estava a dar uma severa lição - suponho que de moral oficial- quando ouviu uma espécie de tumulto abafado por detrás das costas; voltou a cabeça e viu - nas suas próprias palavras uma coisa redonda e descomunal, parecida com uma barrica, de cento e quarenta galões, embrulhada em flanela às riscas, posta de pé no meio do largo chão vazio do escritório. Ele assegura que ficou tão espantado que durante um lapso de tempo apreciável não percebeu que aquela coisa estava viva, e sentou-se ainda a matutar como e para quê aquele objecto tinha sido transportado para a frente da sua secretária. A arcada que separava o escritório da sala de entrada estava apinhada de rapazes dos pancás, de varredores, de ordenanças da polícia, estando também o patrão e a tripulação da lancha do porto, todos a esticar o pescoço e quase encavalitados uns nos outros. Uma revolução. Entretanto, o sujeito tinha conseguido, a puxar e a repuxar, remover o chapéu da cabeça, e avançava, com pequenas mesuras, para Ruthvel, que me disse que o ar dele o transtornava tanto que durante algum tempo o ouviu sem conseguir descobrir o que é que aquela aparição pretendia. Falava com voz ríspida e lúgubre, intrépida. Pouco a pouco fez-se luz no espírito de Archie, e ele compreendeu que se tratava da narrativa do desenrolar dos acontecimentos do Patna.





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