Lord Jim - Cap. 6: Capítulo V Pág. 51 / 434

com a nuca carmesim, o imenso arfar daquele dorso sujo, às riscas verdes e laranja, todo o esforço que fazia para se esconder naquela massa espalhafatosa e sórdida, perturbava o sentido de verosimilhança e produzia um efeito chocarreiro e medonho como uma daquelas visões nítidas e grotescas que nos assustam e nos fascinam num delírio febril, Desapareceu. Eu estava quase à espera de ver o tejadilho fender-se ao meio e aquela caixinha sobre rodas estoirar como o algodão maduro mas apenas descaiu com um estalido de molas achatadas, e de repente uma das persianas abriu-se com estrépito. Os ombros reapareceram, entalados na pequena abertura; a cabeça projectada para fora, esticada e sacudida como um balão cativo, a suar, furiosa, a borbotar um palavreado incoerente, Estendeu para o dono da traquitana um punho tão grosso e tão vermelho como uma posta de carne crua. Ordenou-lhe com um rugido que arrancasse para a frente. Para onde? Talvez para o Pacífico. O cocheiro chicoteou o pónei, que bufou, se empinou uma vez e partiu como uma seta a galope. Para onde? Para Ápia? Para Honolulu? Tinha na sua frente 6000 milhas de faixa tropical para se recrear, e eu não ouvi dar a direcção exacta. Um pónei a bufar arrebatou-o para toda a Ewigkeit1 num abrir e fechar de olhos, e nunca mais o tornei a ver; ainda mais, não sei de ninguém que lhe tenha posto a vista em cima depois de ter partido da minha presença sentado dentro de uma pequena traquitana desconjuntada que dobrou velozmente a esquina numa nuvem de poeira branca. Partiu, desapareceu, sumiu-se, ocultou-se; e o mais absurdo é que foi como se tivesse levado a traquitana com ele, porque nunca mais me cruzei com um pónei alazão com uma orelha rachada e um lânguido cocheiro tâmil atormentado por um pé chaguento.




Os capítulos deste livro