Lord Jim - Cap. 8: Capítulo VII Pág. 90 / 434

Talvez não a tivesse mesmo visto. Agora, indolentemente refastelado na cadeira, disse: 'Com a breca! Digo-lhe que a sentia arquear. Estava eu com a minha lâmpada ao lado da cantoneira de ferro no convés inferior quando uma camada de ferrugem do tamanho da minha mão caiu da chapa de blindagem sem ninguém lhe tocar. Passou a mão pela testa. Aquilo moveu-se e saltou como se estivesse vivo enquanto eu estava a olhar. 'Deve ter-se sentido mal', observei eu como quem não quer a coisa. 'Julga que estava a pensar em mim com cento e sessenta passageiros, ferrados no sono, só naquela entre coberta da proa - e outros mais à ré, mais ainda no convés, a dormirem, sem saberem de nada, em número três vezes superior aos lugares disponíveis nos salva-vidas? E tempo para lá os meter? Eu estava à espera de ver rachar-se o ferro e a torrente de água passar por cima deles, deitados a... Que podia eu fazer?... Que podia fazer?

«É fácil de imaginar a sua figura nas trevas povoadas daquele lugar cavernoso, com a luz da lâmpada do porão a cair no ponto da antepara que sustentava o peso do oceano do outro lado, com o ruído da respiração dos que dormiam, inconscientes, nos ouvidos. Vejo-o olhando fixamente a chapa de ferro, alarmado pela queda do pedaço ferrugento, oprimido pelo conhecimento de uma morte iminente. Esta era, deduzi, a segunda vez que tinha sido mandado à proa por aquele seu capitão, que, creio, o queria manter afastado da ponte. Disse-me então que o seu primeiro impulso fora gritar e fazer com que aquela gente saltasse do sono para o terror, mas, avassalado por um sentimento esmagador do seu desamparo, não foi capaz de articular um som. Isto é, suponho eu, o que as pessoas chamam ficar com a língua colada ao céu da boca. 'Excessivamente seca, foi a expressão concisa que empregou para exprimir esse estado.





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