Lord Jim - Cap. 9: Capítulo VIII Pág. 103 / 434

O que lhe fora dado ver transformara-o numa pedra desde a sola dos pés à cabeça; mas dentro da sua cabeça as ideias dançavam uma dança ardente, uma dança de ideias claudicantes, de ideias cegas, mudas - um turbilhão de horríveis aleijões. Não lhes disse que ele se confessou diante de mim como se eu tivesse o poder de ligar e de desligar? Cavou fundo, fundo, na esperança da minha absolução, que não lhe poderia servir para nada. Este era um daqueles casos que nenhuma impressionante desilusão podia mitigar, que nenhum homem pode ajudar, e nos quais o pecador parece ter sido abandonado pelo seu Criador às suas fraquezas.

«Ele estava de pé na ponte a estibordo, tão longe quanto possível da luta pelo salva-vidas que continuava com o frenesim da loucura e o segredo de uma conspiração. Os dois malaios não tinham largado o leme. Procurem imaginar a figura dos actores neste episódio, graças a Deus, único na história do mar, quatro fora de si, num esforço feroz e secreto, e três com os olhos fitos no espaço à sua frente, numa imobilidade completa, acima dos toldos que cobriam a profunda ignorância de centenas de seres humanos com o seu cansaço, os seus sonhos e as suas esperanças, detidos, seguros por uma mão invisível à beira do aniquilamento. Porque não tenho dúvida nenhuma de que o estavam; dado o estado em que se encontrava o barco, era a de Jim a descrição do desastre mais fatal que podia acontecer. Os patifes, atarefados com o salva-vidas, tinham todas as razões para enlouquecer de pavor. Se eu estivesse a bordo, não daria um tostão furado pela probabilidade que o barco tinha de continuar a navegar. E no entanto flutuava! Os peregrinos, entregues ao sono, estavam destinados a cumprir integralmente a sua peregrinação até à amargura de um fim diferente.





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