Lord Jim - Cap. 39: Capítulo XXXVIII Pág. 368 / 434

«Narra a história que, quando um navio-patrulha espanhol o capturou, ele se ocupava simplesmente do transporte de canhões para os insurrectos. Sendo assim, não posso compreender o que andava a fazer no largo da costa sul de Mindanaus. Estou convencido de que ele fazia chantagem nas aldeias indígenas ao longo da costa. O importante é que o navio-patrulha pôs uma guarda a bordo e fê-lo navegar, de conserva, para Zamboanga. Pelo caminho, por uma razão qualquer, os dois barcos fizeram escala numa dessas novas feitorias espanholas, que afinal nunca deram nada, onde não só encontraram um funcionário civil de guarda à terra, mas também uma boa escuna de cabotagem ancorada na baía; e foi este barco, muito melhor do que o dele, de todos os pontos de vista, que Brown decidiu roubar.

«Atravessava então um período de infelicidade, como ele próprio me contou. O mundo que ele intimidara durante vinte anos, com um desdém feroz e agressivo, não lhe dera, quanto a vantagens materiais, senão uma pequena bolsa de dólares de prata que estava tão bem escondida na sua cabina que 'nem o Diabo em pessoa a podia farejar'. E era tudo, absolutamente tudo. Estava cansado da vida e não tinha medo da morte. Mas este homem, que, com uma despreocupação amarga e zombeteira, estava pronto a arriscar a vida por um capricho, tinha um medo mortal da prisão. Só de pensar na vaga possibilidade de ser preso ficava com suores frios, tinha um ataque de nervos ou era tomado de um terror que lhe mudava o sangue em água, o género de terror que um homem supersticioso sente no pensar que poderia ser abraçado por um espectro. Por conseguinte, o funcionário civil, que veio a bordo fazer um inquérito preliminar sobre a captura, investigou arduamente ao longo do dia e só voltou para terra depois de escurecer, embrulhado num sobretudo, após ter tido todo o cuidado em não deixar tinir no saco todos os bens de Brown.





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