Lord Jim - Cap. 42: Capítulo XLI Pág. 396 / 434

Encararam-se por cima do riacho e, de olhos fitos, tentaram compreender-se um ao outro antes de descerrarem os lábios. O antagonismo devia revelar-se-lhes nos olhares; sei que Brown odiou Jim à primeira vista. As esperanças que acalentara desvaneceram-se imediatamente. Este não era o homem que esperava. Odiava-o por esta razão, e, com uma camisa de flanela axadrezada, de mangas pelos cotovelos, barba grisalha, o rosto magro e queimado pelo sol, amaldiçoava, do fundo do coração, a juventude e a segurança do outro, os seus olhos claros e o seu porte tranquilo. Aquele tipo tinha ganho um grande avanço sobre ele! Não tinha o aspecto de um homem que estivesse disposto a dar uma ajuda de boa vontade. Todas as vantagens estavam do seu lado, o domínio, a segurança, o poderio; estava do lado de uma força preponderante. Não conhecia a fome nem o desespero e não parecia assustar-se. E havia qualquer coisa no asseio das roupas de Jim, desde o capacete branco até às polainas de pano e aos sapatos brancos, que aos olhos sombrios e irritados de Brown parecia personificar aquilo que, durante toda a sua vida, desprezara e escarnecera.

«'Quem é você?', acabou por perguntar Jim, no seu tom habitual. 'Chamo-me Brown', respondeu o outro em voz alta; 'capitão Brown. E você?' E Jim, após uma curta pausa, prosseguiu calmamente, como se não tivesse ouvido: 'Que é que o trouxe cá?' 'Quer saber?', volveu Brown com azedume. 'É fácil de dizer: a fome. E você, porque veio para cá?'

«'A minha pergunta sobressaltou-o', disse Brown, ao contar-me o início dessa estranha conversa entre aqueles dois homens, separados materialmente apenas pelo leito lodoso de um riacho mas que se encontravam em pólos opostos quanto à concepção da vida que engloba toda a humanidade.





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