Lord Jim - Cap. 9: Capítulo VIII Pág. 101 / 434

Digo-lhes que era de uma inocência fabulosa e monstruosa, monstruosa! Observei-o dissimuladamente, como se suspeitasse que ele tinha a intenção de me armar uma cilada. Ele estava certo, mas com toda a sinceridade, 'com toda a sinceridade, insisto!', de que não havia nada que não pudesse enfrentar. Quando era 'desta altura'... 'ainda um garotinho', já se estava a preparar para todas as dificuldades que podem assaltar um homem sobre a terra e sobre o mar, e confessava com orgulho este género de previsão. Tinha imaginado com todos os pormenores os perigos e suas defesas e treinado o seu lado melhor à espera do pior. Tinha de viver uma existência sublime, inimaginável! Uma sucessão de aventuras, a glória, um avançar vitorioso!, e o sentimento profundo da sua perspicácia a coroar cada dia da sua vida interior. Abandonava-se; os seus olhos brilhavam; e a cada uma das suas palavras o meu coração, posto na convergência dos raios da sua insensatez, pesava-me mais e mais, no peito. Não tinha vontade de rir, mas, com receio de me pôr a sorrir, compus um rosto impassível. Deu sinais de irritação.

«'É sempre o inesperado que acontece, disse eu, num tom propiciatório.

A minha estupidez arrancou-lhe um 'Pff' desdenhoso. Suponho que queria significar que o inesperado não o podia afectar; nada menos do que o próprio inconcebível podia vencer a sua preparação perfeita. Fora tomado de surpresa e murmurou entre dentes uma praga contra as águas e contra o firmamento, contra o barco e contra os homens. Todos o tinham traído! Ele fora atraído para aquela cilada de cair numa resignação que o impedia de mexer um dedo, enquanto os outros que tinham uma clara percepção das necessidades reais se atropelavam e suavam desesperadamente a preparar o salva-vidas, no qual qualquer coisa se tinha escangalhado no último momento.





Os capítulos deste livro