Lord Jim - Cap. 4: Capítulo III Pág. 22 / 434

De tempos a tempos olhava ociosamente para o mapa pregado, com quatro cavilhas, numa mesa baixa de três pés, atrás da caixa da engrenagem da direcção. A folha de papel onde estavam marcadas as profundidades do mar apresentava uma superfície brilhante sob a luz de um farolim amarrado a um pontalete, uma superfície tão uniforme e tão. lisa como a superfície luzente das águas. Sobre ela encontravam-se léguas de paralelas e dois compassos de pontas fixas; a posição do navio, verificada ao meio-dia, estava marcada com uma pequena cruz a preto, e a linha recta firmemente desenhada a lápis, até Perim, representava a rota do navio o caminho das almas para o lugar santo, a promessa de salvação, o prémio da vida eterna -, enquanto o lápis, tocando a costa da Somália com a ponta, estava ali redondo e imóvel como uma verga desguarnecida de um navio a boiar no resguardo de uma doca abrigada. «Com que regularidade avança», pensou Jim com admiração, com uma espécie de gratidão por esta profunda paz do mar e do céu. Em momentos desses, os seus pensamentos e a sua imaginação estavam cheios de feitos valorosos; gostava desses sonhos e da glória dos seus feitos imaginários. Eles eram o melhor da vida, a sua verdade secreta, a sua realidade recôndita. Possuíam uma virilidade esplêndida, o encanto do indefinido, desfilavam diante dos seus olhos com um andamento heróico; ia-se-lhe a alma atrás deles e embriagavam-no com o filtro divino de uma ilimitada confiança em si próprio. Nada existia a que não pudesse fazer face. Esta ideia tornava-o tão feliz que sorria, a olhar para a frente negligentemente; e quando lhe acontecia olhar para trás, via o traço branco da esteira desenhado no mar pela quilha do navio, tão direito como a linha escura desenhada pelo lápis no mapa.




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