Lord Jim - Cap. 4: Capítulo III Pág. 24 / 434

O barco avançava tão calmamente que o seu movimento era imperceptível para os sentidos humanos, como se fosse um planeta abarrotado, a correr na noite dos espaços etéreos atrás de um enxame de sóis, nas solidões calmas e temíveis à espera do sopro que o havia de trazer a uma vida futura. «Já nem se pôde chamar calor à temperatura lá em baixo», disse uma voz.

Jim sorriu sem desfitar os olhos. O capitão, impassível, exibia de costas a figura maciça: uma das astúcias do renegado era parecer intencionalmente inconsciente da existência de uma pessoa, a não ser que servisse melhor os seus intentos voltar-se de repente para ela com um olhar fixo e penetrante, antes de soltar uma torrente de palavreado raivoso, ofensivo, como um jacto saído de uma cloaca. Neste momento contentava-se com emitir um grunhido mal-humorado; o segundo-maquinista, no topo das escadas da ponte de comando, apertando nas palmas das mão húmidas um trapo molhado e sujo, continuava descaradamente a história dos seus queixumes. Os marinheiros passavam uma rica vida cá em cima, e diabos o levassem se sabia para que é que eles serviam. No fim de contas, eram os pobres dos maquinistas que faziam andar o barco para a frente, e podiam muito bem fazer o resto; mas, caramba!, eles «Caluda!», rosnou o alemão, imperturbável. «Pois claro, caluda - mas quando as coisas não marcham bem o senhor vem ter connosco, não é verdade?», continuou o outro. Presumia que estava já mais de meio cozido, mas já agora podia pecar à vontade, porque nos últimos três dias tinha seguido um famoso treino para ocupar o lugar para onde vão os malandros depois de morrer - era verdade, caramba! -, além de ter ficado muito razoavelmente surdo pela maldita barulheira lá de baixo. Aquele amaldiçoado





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