Lord Jim - Cap. 25: Capítulo XXIV Pág. 254 / 434

Ao mesmo tempo, um barco cheio de homens armados apareceu e veio colocar-se ao lado da sua canoa para lhe cortar a retirada.

«Estava demasiado estupefacto para que me fosse possível guardar o sangue-frio, compreende?, e se esse revólver estivesse carregado teria morto três ou quatro e seria o fim. Mas não estava... ' 'E por que razão não o tinha carregado?', perguntei. 'Bem, eu sozinho não podia lutar contra todos, e além disso não vinha para este país como quem teme pela pele', disse ele com uma ligeira reminiscência da sua antiga teimosia no olhar que me lançou. Não lhe quis fazer ver que os indígenas não podiam adivinhar que a arma estava descarregada. Era deixá-lo... 'Bem, mas não estava', repetiu, bem-humorado, 'e então fiquei tranquilo e perguntei o que me queriam. A minha atitude fê-los calar, de surpresa. Vi um grupo de ladrões fugir com a minha mala. Esse velho patife do Kassim (um pernas altas que lhe hei-de mostrar amanhã) veio ter comigo a correr, dizendo-me, com a fala entaramelada, que o rajá me queria ver. «Muito bem», disse eu; também tinha vontade de ver o rajá, e entrei muito simplesmente pelo portão, e... e... aqui estou.' Riu-se, e de repente disse, acentuando inesperadamente as palavras: 'E sabe o que é mais engraçado? Vou dizer-lho: é saber que se me tivessem suprimido a perda era deles.'

«Foi isto o que ele me disse diante da sua casa naquele fim de tarde de que já falei, depois de termos contemplado a Lua a flutuar por cima do abismo entre as colinas, como um espírito a sair do túmulo. O luar cobria tudo, branco e frio como o espectro de um sol morto. Há na claridade da Lua qualquer coisa de alucinante: a impassibilidade de uma alma desencarnada e um pouco do seu mistério insondável. Ela está para a claridade do Sol, que, digam o que disserem, é o que nos faz viver, como o eco para o som: enganador e gerador de confusão, quer o som seja triste ou alegre.





Os capítulos deste livro