Dou-lhe a minha palavra de honra que pensei várias vezes que a cabeça me ia estourar... ' Começou aos saltos, aos saltos de um lado para o outro, enfiou as mãos nas algibeiras, atirou o boné para cima da cabeça. Eu nunca o imaginara capaz de tamanha vivacidade. Pensei numa folha seca arrebatada por um turbilhão, enquanto um misterioso sentimento de apreensão, o peso de uma dúvida indefinida, me pregavam à cadeira. Acabou por ficar completamente imóvel, corno que petrificado por uma revelação. 'O senhor restituiu-me a confiança', declarou lentamente. 'Oh, meu querido amigo, por amor de Deus, não diga isso!', supliquei corno se me tivesse magoado. 'Está bem, calo-me e não abrirei mais a boca. Não pode, no entanto, impedir-me de pensar que... Não importa... Ainda lhe hei-de mostrar... ' Aproximou-se rapidamente da porta, parou com a cabeça baixa e voltou atrás com passo decidido. 'Sempre pensei que se pudesse dispor de urna página em branco para recomeçar... E agora o senhor... numa certa medida... sim... urna página em branco.' Acenei com a mão, e ele saiu sem olhar para trás; o som dos seus passos morreu gradualmente para lá da porta fechada - e era o passo firme de um homem a caminhar em plena luz do Sol.
«Quanto a mim, sozinho em face da vela solitária, fiquei por assim dizer estranhamente às escuras. Não era já bastante jovem para ver em cada volta do caminho o esplendor que acompanha os nossos passos no bem e no mal. E sorri ao pensar que, no fim de contas, ele era, de nós dois, o portador de luz. E senti-me triste. Ele dissera 'uma página em branco' não dissera? Como se a palavra inicial do destino de todos nós não estivesse gravada em caracteres indeléveis sobre a rocha.»