.. 'Bater com a porta - aí está uma coisa bem dita', gritou; de um salto pôs-se em pé e começou a percorrer a sala de jantar em grandes passadas. O porte da cabeça e dos ombros e o andar direito e irregular trouxeram-me à lembrança aquela noite que passeara assim a confessar-se, a explicar-se, em que eu o sentia a viver... a viver ali na minha frente, sob uma nuvenzinha, com a sua subtileza inconsciente que tirava consolações da origem da pena. O mesmo espírito o animava agora, o mesmo e... outro, como um companheiro instável que hoje nos conduz pelo bom caminho e amanhã com os mesmos olhos, o mesmo passo, o mesmo impulso pelo caminho errado. O andar era seguro, os olhos, escurecidos e perscrutadores, pareciam procurar alguma coisa na sala. Batia um dos pés com mais força, certamente por culpa das botas, o que dava uma curiosa impressão de paragem invisível. Com uma das mãos enterrada no bolso das calças, agitou a outra por cima da cabeça. 'Bater com a porta!', gritou. 'Tenho estado à espera de o poder fazer. Ainda lhes mostrarei que… Eu... Estou pronto para tudo o que vier... Foi com isto que eu sonhei Caramba!... Sair desta situação… Caramba!... Tenho finalmente uma oportunidade… Vai ver o que eu… Espere e...'
«Levantou a cabeça com ar de vencedor, e confesso que pela primeira e última vez desde que nos conhecíamos senti que me estava a aborrecer. Para que serviam essas fanfarronadas? Andava de um lado para o outro na sala a fazer gestos absurdos e de vez em quando apalpava o peito para ver se ainda lá estava o anel. E que sentido tinha tamanha exaltação num empregado de comércio enviado a comerciar num local que nem comércio vinha? Para quê desafiar o universo inteiro? Não era o estado de espírito mais conveniente para enfrentar semelhante empresa, e não digo isto só por de, mas de uma maneira geral.