Era qualquer coisa de que não se tornaria a falar. E tinha ali diante de mim aqueles olhos azuis infantis a olharem os meus de frente, aquele rosto jovem, aqueles ombros largos, a larga fronte bronzeada com uma linha branca desenhada sob as raízes do cabelo louro aos cachos, e este seu aspecto atraía toda a minha simpatia à primeira vista; a atitude franca, o sorriso natural, a seriedade juvenil. Era de boa cepa. Era um dos nossos. Falava calmamente, com uma espécie de desembaraço sereno, e um porte tranquilo que podia provir de um domínio viril sobre si mesmo, de um descaramento, de uma insensibilidade, de uma inconsciência colossal, de uma desilusão gigantesca. Quem sabe? Pelo tom da nossa voz podíamos estar a discutir sobre uma terceira pessoa sobre um desafio de futebol ou sobre o tempo que fizera no ano anterior. O meu pensamento vogava num mar de conjecturas, até que a direcção que a conversa tomou me permitiu observar-lhe, sem ser ofensivo, que este inquérito devia ser muito duro para ele. Lançou num ímpeto o braço por cima da toalha e, agarrando a minha mão, pousada ao lado do prato, olhou-me fixamente. Eu fiquei alarmado. 'Deve ser muito duro', gaguejei, embaraçado com esta revelação muda de sentimentos. 'É o Inferno', e as suas palavras explodiam com voz surda.
«Este movimento e estas palavras deram causa a que dois elegantes globe-trotters sentados numa mesa próxima levantassem a cabeça, assustados, do gelado que comiam. Levantei-me e passámos para a galeria que servia de sala de fumo, para tomar café e fumar um charuto.
«Ardiam velas em globos de vidro sobre mesas octogonais; grupos de plantas de folhas compactas dividiam a galeria em recantos isolados, guarnecidos de confortáveis cadeiras de verga, e por entre as colunas, cujos fustes avermelhados captavam, numa longa fileira, o reflexo das altas janelas, a noite brilhante e sombria parecia suspensa como uma tapeçaria esplêndida.