Lord Jim - Cap. 21: Capítulo XX Pág. 221 / 434

Passou do círculo brilhante de luz para o círculo de luz tamisada e depois para a zona obscura. Esta passagem produziu um efeito extraordinário como se com aqueles poucos passos se tivesse escapado do mundo concreto e cheio de inquietações. A sua figura alta parecia despojada de toda a substância, a planar sobre coisas invisíveis com movimentos redondos indefinidos; a sua voz, vinda daquela distância onde o via misteriosamente ocupado em cuidados imateriais, não era já incisiva, mas profunda e grave, suavizada pela distância.

«'E é de não podermos ter sempre os olhos fechados que nasce a verdadeira dificuldade, a pena do coração, a dor do mundo. Digo-lhe, meu amigo, que é mau compreender que não poderemos realizar os nossos sonhos porque não somos bastante fortes ou bastante inteligentes. Ja!... E somos todo o tempo perfeitos também! Wle? Was? Gott in Himmel! Como pode isto ser? Ah!, ah!, ah!'

«A sombra debruçada sobre os túmulos das borboletas ria às gargalhadas.

«'Sim! Esta coisa terrível é também cómica. Um homem, quando nasce cai num sonho como se caísse no mar. Se se debater como fazem as pessoas inexperientes, afoga-se, nicht war?... Não! Sou eu que lho digo. O que é preciso é abandonarmo-nos ao elemento destrutor e arranjarmo-nos para que o mar profundo nos sustenha. Aqui está, já que mo pergunta, como pode chegar a ser.'

«A sua voz adquiria uma enorme autoridade, como se tivesse sido inspirado no escuro por um espírito de sabedoria 'Vou dizer-lhe uma coisa, Também para isso só há um remédio.'

«Com um rápido ranger de chinelos que tinha calçados atravessou novamente o círculo de luz tamisada e apareceu subitamente no círculo de luz forte e brilhante. O seu braço estendido apontava para o meu peito como uma pistola; os olhos encovados pareciam querer-me trespassar; dos lábios crispados não saía um som, e a austera exaltação da certeza que encontrara na sombra desapareceu do seu rosto.





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