«Já a lenda lhe atribuía dons sobrenaturais. Sim, dizia-se que havia muitas cordas engenhosamente dispostas e uma estranha engenhoca, que os esforços de muitos homens faziam girar, e todos os canhões tinham sido içados abrindo caminho lentamente através do mato como um javali por entre a vegetação rasteira, mas... - e os mais avisados abanavam a cabeça. Havia sem dúvida qualquer coisa de oculto em tudo isso; pois para que serve a força das cordas e dos braços dos homens? Nas coisas há sempre urna alma rebelde que deve ser domada através de encantamentos e de poderosos feitiços. Assim dizia o velho Sura - um respeitável proprietário de Patusan -, com quem uma noite tive uma agradável conversa. E Sura era um feiticeiro profissional que presidia a todas as sementeiras e colheitas de arroz, milhas e milhas em redor, com o fim de apaziguar a alma obstinada das coisas. Parecia considerar esta ocupação bastante árdua, e talvez as almas das coisas sejam mais obstinadas que as dos homens. Quanto ao povo simples das aldeias vizinhas, acreditava e dizia (como a coisa mais natural deste mundo) que Jim tinha transportado os canhões às costas, dois de cada vez, até ao alto da colina.
«Jim batia o pé, vexado, e exclamava com um riso de desespero: 'Que se pode fazer desses pobres idiotas? Ficam acordados metade da noite a contar histórias da carochinha, e quanto maior for a mentira tanto mais parecem apreciá-la.' Na sua irritação podia-se discernir a influência subtil de tudo o que o rodeava. Fazia parte do seu cativeiro. O fervor das suas nervuras era divertido, e acabei por dizer: «Meu caro amigo, não supõe decerto que eu acredite nisso.» Ele olhou para mim bastante surpreendido. 'Bem, decerto que não suponho tal coisa', disse, dando uma gargalhada homérica.