Mais ou menos um mês depois, quando Jim, em resposta a perguntas precisas, tentou dizer honestamente a verdade sobre esta experiência, fê-lo nestes termos ao referir-se ao barco: «Passou por cima lá do que foi com a facilidade da serpente a avançar sobre um ramo.» A imagem era boa: as perguntas visavam o esclarecimento de factos, e o inquérito oficial efectivara-se no tribunal de polícia de um porto oriental. Encontrava-se no banco das testemunhas e dominava a sala, com as faces a arder, naquele local espaçoso e fresco: as grandes armações dos pancás moviam-se suavemente para cá e para lá, muito por cima da sua cabeça, e de baixo fitava-o uma multidão de olhos em caras escuras, em caras brancas, vermelhas, caras atentas, fascinadas, como se toda aquela gente sentada em filas ordenadas de bancos estreitos estivesse subjugada pela sua voz forte, que ressoava surpreendentemente aos seus próprios ouvidos, e que era o único som audível no mundo, porque as perguntas terríveis e precisas que lhe extorquiam respostas e lhe pareciam assumir a forma da angústia e da dor dentro do seu coração chegavam até ele acerbas e silenciosas como as tremendas interrogações da consciência. Fora do tribunal, o sol escaldava; dentro, a agitação do ar provocada pelos enormes pancás fazia calafrios, a vergonha queimava, os olhos atentos feriam como punhais. O rosto do juiz presidente, barbeado e impassível, olhava-o, cadavérico, entre os rostos avermelhados dos dois assessores da Marinha. A luz de uma larga janela junto ao tecto caía de cima sobre as cabeças e os ombros dos três homens, que se distinguiam violentamente na meia-luz da grande sala do tribunal, onde o auditório parecia composto de sombras pasmadas. Queriam factos.