Lord Jim - Cap. 14: Capítulo XIII Pág. 159 / 434

' Não sei como se deu a alma de Jim com as novas condições de vida - fora já muito difícil procurar para ele qualquer coisa que lhe permitisse viver -, mas estou absolutamente certo de que a sua imaginação aventurosa sofria todos os tormentos da fome. Nada na nova profissão a podia alimentar. Era penoso vê-lo desempenhá-la se bem que se atirasse ao trabalho com uma serenidade obstinada, honra lhe seja feita. Eu observava a sua miserável labuta com a impressão de que era um castigo das heroicidades da sua imaginação a expiação do seu ardente desejo de brilhar mais do que as suas forças comportavam. Imaginara-se um maravilhoso cavalo de raça, e agora era obrigado a mourejar sem glória como o burro de um vendedor ambulante. Fazia-o com muita dignidade. Fechava-se consigo, cerrava os dentes, nunca dizia uma palavra. Comportava-se com muita dignidade, com muita dignidade - excepto nas deploráveis ocasiões em que o caso do Patna irreprimivelmente à baila e em que explodia violento e grotesco. Infelizmente, este escândalo dos mares do Oriente não saía da memória dos homens. E esta é a razão por que eu nunca pude pôr Jim definitivamente de lado.

«Fiquei sentado a pensar nele depois da partida do tenente francês, não no Jim a trabalhar na loja fresca e escura do De Jongh, onde, não havia muito tempo, déramos um rápido aperto de mão, mas tal como o tinha visto alguns anos antes na luz bruxuleante de uma vela a apagar-se sozinho comigo na longa galeria da Malabar House, de costas para o frio e para a escuridão da noite. A espada venerável da lei do seu país estava suspensa sobre a sua cabeça. Amanhã - ou seria já hoje? (a meia-noite soara havia muito quando nos separámos) - o magistrado da polícia, de feições imóveis, depois de ter distribuído multas e condenações no caso de assalto e agressão, tomaria nas mãos a sua arma temível para desferir um golpe sobre a cabeça.





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