Lord Jim - Cap. 35: Capítulo XXXIV Pág. 341 / 434

Eu não proferia uma única palavra, é claro, mas também não tapava os ouvidos. O ponto principal da questão, que só gradualmente compreendi, é que ele julgava ter direito a uma certa soma em troca da rapariga. Tinha-a criado. Era filha de um outro. Passara muitos trabalhos e sofrimentos - já estava velho - e desejava uma compensação conveniente. Se o ilustre senhor dissesse uma palavrinha... Parei, a fim de olhar para ele com curiosidade; e, com medo de que eu julgasse o seu pedido exorbitante, suponho, apressou-se a fazer uma concessão. Mediante um 'presente adequado', dado imediatamente, declarava-se pronto a encarregar-se da rapariga 'sem mais nenhuma exigência, quando chegasse a altura de Jim voltar para o seu país'. A sua cara amarelada, toda enrugada como se tivesse sido espremida, denotava a mais ansiosa e viva avareza. A sua voz queixosa tinha um tom de adulação. 'Acabam-se os aborrecimentos... um tutor natural... uma soma em dinheiro...'

«Fiquei pasmado. Esta espécie de coisas era certamente a vocação do homem. De súbito, descobri na sua atitude servil uma espécie de segurança, como se ele tivesse passado a vida inteira a lidar com certezas. Devia ter pensado que eu estava a considerar a sua proposta friamente, porque se tornou doce como o mel. 'Todos os senhores tomam as suas disposições quando chega a altura de voltarem para o seu país...', começou ele num tom insinuante. Fechei o portão violentamente. 'Neste caso, Sr. Cornélio, nunca há-de chegar a altura.' Levou alguns segundos a compreender. 'O quê?!', gritou ele. 'Então', continuei eu, do lado de dentro do portão, 'não o ouviu dizer isto? Jim nunca mais voltará para o seu país.' 'Oh!, é de mais!', gritou ele. Agora já não me chamava 'ilustre senhor'. Calou-se por instantes, e depois, sem um vestígio de humildade, recomeçou em voz muito baixa: 'Nunca mais volta.





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