Lord Jim - Cap. 6: Capítulo V Pág. 53 / 434

«Mas aconteceu que eu tinha um dos meus homens no hospital, nessa altura, e, ao ir saber notícias dele na véspera da abertura do inquérito, vi na enfermaria dos homens brancos o tal tipo baixo numa cama, muito agitado, com o braço em talas, e a delirar. Com grande surpresa minha, o indivíduo alto com um bigode grisalho caído também ali fora parar. Lembrava-me de o ter visto esquivar-se para longe durante a discussão, meio a saltar e meio a deslizar, a tentar com todas as forças não ter um ar assustado. Não era um estranho no porto, segundo parece, e na sua aflição conseguiu descobrir o caminho do café-bilhar do Mariani, ao pé do bazar. Este indestrutível vagabundo, o Mariani, que conhecia o homem e tinha oficiado para satisfazer os seus vícios em um ou dois outros locais, beijou o chão, por assim dizer, que os seus pés pisavam e fechou-o, com um fornecimento de garrafas, num quarto do andar superior do seu infame tugúrio. Parece que estava com dúvidas quanto à sua segurança pessoal e desejava permanecer escondido. Contudo, Mariani disse-me muito tempo depois (um dia que foi a bordo para exigir ao criado o pagamento de uns charutos) que seria feito ainda mais por ele sem fazer perguntas, por gratidão, por um .:favor, pouco sagrado, que dele recebera havia muitos anos - foi tudo o que pude saber. Bateu duas fortes palmadas no peito musculoso, rolou uns enormes olhos pretos e brancos brilhantes de lágrimas: 'O António nunca esquece - o António nunca esquece!' Nunca soube a natureza exacta do favor imoral, mas, fosse qual fosse, foram-lhe dadas todas as facilidades para ficar debaixo de chave, com uma cadeira, uma mesa, um colhão num canto, o chão coberto de estuque caído, num estado irracional e pânico, e aguentando-se à força de tónicos de género especial que Mariani lhe administrava.