Lord Jim - Cap. 3: Capitulo II Pág. 16 / 434

Mas com o andar do tempo descobriu uma fascinação no espectáculo destes homens, na sua aparência de terem êxito com uma tão pequena margem de perigo e de fadiga. Lentamente, ao lado do sentimento de desdém que sentira de início, outro sentimento cresceu nele; e de repente abandonou a ideia de voltar para casa e embarcou como imediato do Patna.

O Patna era um barco a vapor de um armador do porto, velhíssimo, esgalgado e mais comido pela ferrugem de que um depósito de água bom para a sucata. O proprietário era chinês, o fretado era árabe e o comandante uma espécie de renegado alemão da Nova Gales do Sul, sempre ansioso por amaldiçoar o seu país natal, mas que, visivelmente apoiado na política triunfante de Bismarck, brutalizava todos aqueles de quem não tinha medo, e tomava ares de ferrabrás, associados a um nariz purpurino e a um bigode ruivo. O navio, depois de ter sido pintado por fora e caiado por dentro, atracado a um molhe de madeira e já com as máquinas sob pressão, empurraram-lhe para dentro oitocentos peregrinos (mais ou menos).

Estes embarcavam em filas ininterruptas, por cima de três pranchas, com a fluidez de uma corrente, impelidos pela fé e pela esperança do paraíso, num avançar contínuo, com um ruído incessante de passos arrastados de pés descalços, sem uma palavra, sem um murmúrio, sem lançar um olhar para trás; e esta multidão, depois do constrangimento que impunha a estreiteza das pranchas, espalhava-se para todos os lados no convés, escoava-se para a proa e para a popa, transbordava pelas escotilhas abertas, enchia os lugares mais recônditos do navio - como água enchendo uma cisterna, como água correndo num terreno fendido por brechas, como água subindo silenciosamente até à borda. Ali





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