Lord Jim - Cap. 17: Capítulo XVI Pág. 188 / 434

Estava eu a pensar como me havia de aproximar novamente dele (pois não queria que me repelisse uma vez mais) quando deu uma risadinha. 'Sou apenas um vagabundo' - a ponta do cigarro consumia-se entre os dedos -, 'Sem um... sem um... '; pronunciava as palavras devagar; 'e contudo... '; calou-se; a chuva recomeçou a cair com redobrada violência. 'Um dia virá outra oportunidade. Tem de vir!', murmurou ele com voz clara e olhando na direcção dos meus pés.

«Eu não sabia que queria ele recuperar nem o que tão terrivelmente lhe faltava. Era talvez qualquer coisa de tão importante que não tinha palavras para a exprimir. Uma ninharia, na opinião de Chester.... Olhou para mim com um ar interrogador. 'Talvez. Se a vida não acabar', murmurei entre dentes com uma animosidade injusta. 'Não se fie muito nisso.'

«Tor Deus! Creio que nada mais poderá tocar-me', disse ele num tom de sombria convicção. 'Se este caso não acabou comigo, então não tenho medo do que sair disto e... ' Olhou para o tecto.

«Compreendi de repente que é de homens como Jim que se compõem os grandes exércitos de vagabundos, o exército dos que descem, descem, e marcham em todas as sarjetas do mundo. Logo que abandonasse o meu quarto, aquele 'asilo', ele tomaria lugar nas fileiras e começaria a marcha para o abismo sem fundo. Eu, pelo menos, não tinha ilusões; mas também eu, um momento antes, tão seguro do poder das palavras, estava agora assustado, com medo de falar, da mesma maneira que não nos atrevemos a fazer um movimento com medo de perder um apoio instável. Mas é quando nos esforçamos por compreender as necessidades interiores de outro homem que percebemos como são incompreensíveis, hesitantes e nebulosos os seres que partilham connosco a vista das estrelas e o calor do Sol.





Os capítulos deste livro