Lord Jim - Cap. 21: Capítulo XX Pág. 223 / 434

.. para o grande mal... , repetiu com um sorriso indulgente e bem-humorado. O tom da nossa conversa, porém, não mudou. Evitávamos pronunciar o nome de Jim, como se quiséssemos afastar de nós um ser de carne e de sangue ou como se ele fosse apenas um espírito errante, uma sombra dolorosa e sem nome. 'Na!', disse Stein, levantando-se. 'Esta noite dorme cá, e amanhã vamos tentar encontrar uma solução prática... ' Acendeu um candelabro de dois braços e passou à frente para mostrar o caminho. Atravessámos salas escuras e vazias acompanhados pela luz frouxa das velas, que deslizava no soalho encerado, sobre a superfície polida de uma mesa, saltava sobre a curva de um móvel ou se iluminava direita em espelhos distantes, enquanto se reflectiam nas profundezas evasivas do cristal vazio as formas de dois homens e de duas chamas. Avançava cortesmente um passo adiante de mim, havendo no seu rosto uma quietude profunda e, por assim dizer, atenta, com os longos cabelos louros entretecidos de fios brancos espalhados pela nuca, ligeiramente dobrada.

«'É um romântico... um romântico' repetia. 'E isso é muito mau... muito mau. Também muito bom', acrescentou. 'Está certo disso?', perguntei eu.

« 'Gewiss'. respondeu ele, e parou com o candelabro na mão, mas sem olhar para mim! É evidente! Se não o fosse, como é que uma dor íntima o levaria a descobrir-se a si próprio? E o que é que faz com que ele exista ao seus olhos e aos meus?'

«Nesse momento era difícil acreditar na existência de Jim, começada num presbitério, manchada pelo contacto com os homens, reduzida ao silêncio num mundo material pelo tumultuoso apelo da vida e da morte, mas a sua realidade imperecível impunha-se-me com uma força e uma convicção irresistíveis.





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