Lord Jim - Cap. 46: Capítulo XLV Pág. 432 / 434

Doramin não levantou a cabeça, e, durante alguns instantes, Jim permaneceu em silêncio diante dele. Depois olhou para a esquerda e encaminhou-se nessa direcção a passos lentos. A mãe de Dain Waris estava prostrada ao lado do corpo, os cabelos grisalhos e desgrenhados cobrindo-lhe o rosto. Jim aproximou-se devagar, ergueu o lençol para olhar o corpo sem vida do amigo e deixou-o cair sem uma palavra. Lentamente, voltou para trás.

«'Ele veio! Ele veio!', corria de boca em boca, e este murmúrio acompanhava os passos de Jim. 'Ele é o responsável', disse alguém em voz alta. Jim ouviu estas palavras e voltou-se para a multidão. 'Sim, eu sou o responsável.' Houve um movimento de recuo. Jim aguardou um momento diante de Doramin e, em seguida, disse docemente: 'Venho cheio de mágoa.' Tornou a esperar. 'Vim pronto para tudo e desarmado', acrescentou.

«O velho Doramin baixou a pesada cabeça, como um boi sob a canga, e fez esforços para se levantar, empunhando as pistolas de pederneira que tinha sobre os joelhos. Sons gorgolejantes, estrangulados e desumanos saíam-lhe da garganta, e os seus dois criados ajudaram-no a levantar-se. Viu-se o anel, que ele deixara cair no regaço, rolar aos pés do branco; o pobre Jim baixou os olhos para o talismã que lhe tinha aberto as portas da glória, do amor e do êxito, dentro da muralha das florestas franjadas de espuma branca, e da costa que, ao pôr-do-sol, parece mesmo a fortaleza da noite. Doramin, que se esforçava por se manter de pé, formava com os dois servidores um grupo cambaleante; nos olhos do velho nakhoda notaram os circunstantes uma expressão de dor, de raiva, e um lampejo feroz. Enquanto Jim permanecia de pé, obstinado e de cabeça descoberta, à luz dos archotes, Doramin agarrou-se pesadamente com o braço esquerdo ao pescoço de um jovem curvado, fitou o rosto do senhor branco e, levantando deliberadamente a mão direita, meteu uma bala no peito do amigo do seu filho.





Os capítulos deste livro