Lord Jim - Cap. 6: Capítulo V Pág. 58 / 434

Instantaneamente, o seu rosto de velho soldado, com os seus contornos nobres e calmos, decompôs-se na frente dos meus olhos, corrompido pela expressão de astúcia secreta, de uma prudência abominável e de um medo desesperado. Reteve um grito: 'Sch!... que vieram eles fazer aqui?', perguntou, apontando para o chão com uma precaução fantástica no gesto e na voz. A minha prontidão a compreender causou-me náuseas. 'Dormem', respondi, observando-o minuciosamente. Era isso. Era isso o que ele queria ouvir; eram as palavras exactas que o podiam acalmar. Respirou profundamente. 'Sch! Caluda, devagar. Eu sou raposa velha. Conheço esses animais. Estoiro os miolos do primeiro que se mexer. São muitos, o barco não se aguentará à tona de água mais de dez minutos.' De novo arquejou. 'Depressa!', berrou de repente, e o berro continuou num guincho prolongado: 'Estão todos acordados - milhões deles. Estão a espezinhar-me! Esperem! Oh!, esperem aí! Vou esmagá-los aos montes, como moscas. Esperem por mim! Socorro! So... co... rro!' Um uivo interminável e prolongado acabou de me destroçar. Vi à distância o sinistrado levar lastimosamente as mãos à cabeça entrapada; um enfermeiro auxiliar, metido até aos queixos num avental, apareceu na perspectiva do corredor da enfermaria, como visto ao contrário num telescópio. Reconheci que estava 'á suficientemente desnorteado e fugi para a galeria exterior através de uma das largas janelas. O uivo perseguiu-me como uma vingança. Desemboquei num patamar deserto, e subitamente tudo estava silencioso e calmo a minha volta; desci a escada desguarnecida e lustrosa num silêncio que me permitiu recompor a perturbação dos pensamentos. Em baixo encontrei um dos cirurgiões internos, que ia a atravessar o pátio e me obrigou a parar.




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