Não viram, luzes. Tudo estava negro. Um ligeiro chuvisco frio começava a bater-lhes o rosto. O salva-vidas balançava um pouco. Os dentes bateram mais depressa, pararam, recomeçaram a bater ainda duas vezes mais, antes de o homem poder dominar suficientemente o tremor para dizer: 'Mes... mes... mo a tem... tem... po... Brrrr!' Reconheceu a voz do maquinista-chefe afirmar de mau humor: 'Vi-o afundar-se. Por acaso tinha voltado a cabeça.' O vento amainara quase por completo.
«Ficaram a olhar no escuro com as cabeças meio voltadas para barlavento, como que à espera de ouvir gritos. Primeiramente ficara contente por a noite ter encoberto a cena aos seus olhos e, depois, saber que aquilo já acontecera; contudo, não ter visto nem ouvido nada pareceu-lhe o cúmulo de um azar terrível. 'É estranho, não é?', murmurou ele, interrompendo a sua narrativa desconjuntada.
«A mim não me parecia assim tão estranho. Ele deve ter estado inconscientemente convencido de que a realidade não podia ser, de longe, tão má, tão angustiosa, tão pavorosa, tão vindicativa, como os terrores criados pela sua imaginação. Acredito que naqueles primeiros instantes sentisse o coração torturado por todo aquele sofrimento, que a sua alma conhecesse o sabor de um medo infinito, de todo o horror, de todo o desespero de oitocentos seres humanos apanhados na noite pelas garras de uma morte violenta e súbita; senão, porque teria ele dito: 'Parecia-me que devia saltar daquele maldito salva-vidas e voltar a nado para trás meia milha... mais... fosse que distância fosse - para ver, no próprio lugar .. .' Porquê este impulso? Percebem? Porquê voltar ao lugar do desastre? Mais valia afogar-se ali onde estava - se pensava em se afogar! Porquê voltar para trás - ao lugar exacto para ver -, como se a sua imaginação precisasse de ser acalmada pela certeza de que tudo terminara, antes de a morte lhe trazer alívio? Desafio qualquer dos presentes a propor outra explicação.