Capítulo 9: Capítulo VIII
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Não falava comigo, apenas falava diante de mim, empenhado num debate com uma personalidade invisível, um antagonista, companheiro inseparável da sua existência - outro possuidor da sua alma. Estas eram questões que estavam para além da competência de um tribunal e dos seus inquéritos: era uma discussão subtil e grave acerca da verdadeira essência da vida, e ele não precisava de um juiz, mas de um aliado, de alguém que o ajudasse, de um cúmplice. Eu sentia o perigo que corria de ser induzido em erro, de me taparem os olhos, de ser logrado, obrigado à força a tomar um partido numa discussão sem decisão possível para quem quisesse ser justo com os fantasmas que o dominavam - a honorabilidade tinha os seus direitos, a ignomínia as suas exigências. Não lhes posso explicar, porque não o viram e não ouvem as palavras da sua boca, a natureza confusa dos meus sentimentos. Parecia-me que me estavam a meter na cabeça o inconcebível - não conheço nada de comparável ao conforto de uma tal sensação. Estava-me a mostrar a parte de convenção emboscada, em toda a verdade e a sinceridade essencial da mentira. Era um apelo que ele lançava para todos os lados ao mesmo tempo para o lado perpetuamente voltado para a luz do dia e para aquele lado de nós que, como o outro hemisfério da Lua, existe secretamente, envolvido na escuridão eterna, apenas iluminado nas bordas, de tempos a tempos por uma pavorosa luz cinérea. Obrigava-me a vacilar, confesso-o, confesso-o francamente. O facto era vago, insignificante, tudo o que quiserem: um jovem perdido, um entre mil- porém, era um dos nossos; era um incidente completamente desprovido de importância como a inundação de um formigueiro, e contudo o mistério da sua atitude apoderou-se de mim como se ele fosse um indivíduo na vanguarda da sua espécie, como se a obscura verdade implícita fosse bastante importante para afectar a concepção que a humanidade tem de si mesma.
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Páginas: 434
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