Não quero dizer que esteja arrependido do que fiz, nem pretendo que não durmo noites inteiras por causa disso, mas impõe-se-me insistentemente a ideia de que ele fazia caso de mais da sua desgraça quando era unicamente a culpa que importava. Eu não o compreendia bem, não o compreendia bem. E suspeito que ele também não se compreendia muito bem a si próprio, com a sua delicada sensibilidade, os seus belos sentimentos, as suas belas aspirações - uma espécie de egoísmo sublimado. Ele era - se me permitem - admirável; admirável... e muito infeliz. Uma natureza um pouco mais tosca não teria suportado esta tensão; teria transigido consigo mesma - com um suspiro, com um resmungo ou até com uma gargalhada: uma natureza verdadeiramente grosseira seria invulnerável à compreensão do problema, e sem nenhuma espécie de interesse.
«Mas ele era demasiadamente interessante ou demasiadamente infeliz para ser abandonado ao deus-dará ou a Chester. Sentia isto enquanto escrevia debruçado sobre a mesa e ele lutava e arquejava daquela maneira terrivelmente secreta, no meu quarto; senti-o quando ele se precipitou para fora como quem se vai atirar - e não o fez. E este meu sentimento aumentava todo o tempo que ali ficou, na meia luz, com a noite a servir-lhe de fundo, como um homem na orla de um mar sombrio e desolado.
«De súbito, um ruído surdo e prolongado fez-me levantar a cabeça.
O ruído pareceu afastar-se, e de repente um clarão violento e penetrante atravessou a face encoberta da noite. O clarão prolongado e ofuscante pareceu durar um tempo incrível. O ribombar do trovão aumentou mais e mais enquanto eu contemplava Jim solidamente plantado na margem de um mar de luz. No momento em que a luz foi mais fulgurante, a escuridão voltou a cair com um estrépito redobrado e ele desapareceu de diante dos meus olhos encandeados como se tivesse sido reduzido a cinzas.