Armados até aos dentes, todos os homens da tribo se encontravam ali, quando o velho
nakhoda ergueu os olhos. Circunvagou-os lentamente pela multidão, como se procurasse um rosto ausente. O queixo voltou a descair-lhe sobre o peito. O sussurro de muitas vozes de homens misturou-se ao ligeiro frémito das folhas.
«O malaio que trouxera Tamb' Itam e a jovem para Samarang também lá estava. 'Não tão encolerizado como os outros', disse-me ele, mas aterrado e estupefacto perante o 'imprevisto do destino dos homens, que paira sobre as suas cabeças como uma nuvem anunciadora de tempestade.' Contou-me que quando o corpo de Dain Waris foi descoberto, a um sinal de Doramin, aquele a quem chamavam muitas vezes o amigo do senhor branco apareceu sem ter mudado, com as pálpebras entreabertas, como se fosse acordar. Doramin inclinou-se um pouco mais para a frente, como alguém que procura um objecto caído a seu pés. Os olhos do velho perscrutaram o corpo dos pés à cabeça, talvez para descobrir uma ferida. Esta era pequena e encontrava-se na testa; e ninguém pronunciou uma palavra enquanto um dos presentes se curvou para tirar o anel de prata da mão fria e rígida. Em silêncio, ergueu o anel diante dos olhos de Doramin. Um murmúrio de espanto e de horror correu entre a multidão à vista deste símbolo familiar. O velho nakhoda olhou-o fixamente e de repente soltou um grito feroz, do fundo do peito, um urro de dor e de fúria, possante como o mugido de um touro ferido, grito que encheu de medo os corações dos homens, pela amplidão da sua cólera e da dor assim claramente expressa sem palavras. Em seguida reinou por instantes um grande silêncio, enquanto quatro homens transportavam o corpo para outro lado. Depuseram-no debaixo de uma árvore, e, num instante, com um longo grito prolongado, todas as mulheres da casa começaram a gemer em uníssono lamentações, com vozes agudas; o Sol estava no ocaso, e nos intervalos dos gritos das carpideiras ouviam-se apenas as vozes monótonas e claras de dois velhos que entoavam o Corão.
