Lord Jim - Cap. 8: Capítulo VII Pág. 86 / 434

Um momento depois estava de novo junto da minha cadeira dominando-me do alto da sua estatura, com a face jovem toldada pelo esforço de dominar a emoção. Compreendera muito bem que eu não duvidava da sua competência para pilotar um navio. Numa voz ligeiramente trémula, perguntou-me porque dissera eu isso. Fora amável com ele para além do que as palavras podiam exprimir. 'Nem sequer me rira dele quando' - aqui começou e mastigar as palavras - 'lhe tinha feito fazer figura de asno.' Interrompi-o para dizer muito cordialmente que para mim um erro desses não era caso para rir. Sentou-se e esvaziou a chávena de café até à última gota com o ar de quem reflecte. 'Isto não quer dizer que eu admita um só instante que a carapuça me sirva, declarou categórico. 'Não?', disse eu. 'Não', afirmou com calma decisão. O senhor sabe o que teria feito nas mesmas circunstâncias? Sabe? E não se considera... - engoliu em seco -... 'não se considera um... um... cão?'

«E aqui - palavra de honra! - olhou para mim com uma expressão de curiosidade. Era uma pergunta que parecia feita de boa fé. Contudo, não esperou por uma resposta. Antes de me poder recompor, continuou, olhando fixamente para a frente, como se estivesse a decifrar qualquer coisa escrita no corpo da noite. 'Tudo depende de estarmos preparados. Eu não o estava; não - não estava preparado nesse momento. Não quero desculpar-me; mas gostava de poder explicar... gostava que alguém entendesse - alguém -, menos uma pessoa! O senhor! Porque não o senhor?'

«Era solene e ao mesmo tempo um pouco ridícula, como sempre é, esta luta de um indivíduo a tentar salvar do fogo a ideia do que a sua própria identidade moral deveria ser, esse precioso conceito de uma convenção, que é apenas uma das regras do jogo, e nada mais, mas apesar disso tão terrivelmente impressionante pelo poder que mantém sobre os instintos naturais e pelos tremendos castigos que o seu fracasso impõe.





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