'E eu não tinha compreendido', gritou; depois mordeu os lábios e franziu o sobrolho. 'Que grande asno que eu fui, disse devagar e a medo... 'Que amigo fixe!' gritou com voz abafada. Agarrou a minha mão como se a visse pela primeira vez e deixou-a cair imediatamente. 'Mas é exactamente o que eu... o senhor... eu... ', gaguejou, e logo a seguir começou a dizer com aquela sua maneira teimosa, obstinada: 'Seria agora um verdadeiro bruto se não... ', e a voz parecia que lhe ia faltar. 'Está bem, está bem', disse eu. Quase me alarmava aquela exibição sentimental através da qual irrompia uma estranha exaltação. Eu puxara imprudentemente o cordel sem conhecer muito bem a mecânica daquele fantoche. 'Agora tenho de me ir embora', disse ele. 'Caramba! O senhor ajudou-me de verdade. Não posso ficar aqui sem fazer nada. Exactamente o que eu precisava... ' Olhou para mim com surpresa e admiração. 'Exactamente... '
«Era isso exactamente o que ele precisava. Eu ia apostar que o tinha salvo da miséria, daquela miséria que emparelha sempre com o álcool. Eu não tinha ilusões, mas, olhando-o, cismava sobre a natureza da que se lhe infiltrara no espírito havia três minutos. Pusera-lhe nas mãos os meios para se desempenhar decentemente da tarefa séria da vida, para arranjar comida e abrigo, sem o que o seu espírito magoado iria possivelmente precipitar-se, estropiado, em qualquer buraco e morrer ali de inanição. Fora isto o que eu lhe dera: uma coisa bem pequena e bem precisa, e eis que a maneira corno ele acolhia o meu gesto a fazia, ali à luz da vela, parecer grande, confusa e talvez perigosa. 'Desculpe se não encontro as palavras apropriadas', exclamou por fim. 'Não há palavras... Já a noite passada me fez um bem imenso só com ouvir-me.